Roberto Telles de Souza*
“De todas as ações de um árbitro, a mais importante é a de ser um criador de eventos”.
Talvez os praticantes e interessados em jogos pedagógicos, tais como Damas, Xadrez, Go e outros tantos de caráter lúdico-propedêuticos, pensem que o papel do árbitro se resuma ao de decidir sobre a aplicação correta das regras e também o de recorrer a eventuais punições, quando houver problemas de conduta inadequada por parte dos competidores ou acompanhantes. Realmente, esses comportamentos fazem parte do elenco de responsabilidades que cabe à arbitragem, porém há inúmeras outras exigências.
Evidentemente, o conhecimento profundo e atualizado das regras e regulamentos é essencial na condução de um evento, pois isto propicia um nível de segurança adequado aos competidores, objetivando promover justiça, ao se garantir que as conquistas obtidas dentro das regras sejam consolidadas. Mesmo em torneios entre crianças, a as regras devem ser aplicadas, sempre de forma educativa. O árbitro definirá a melhor estratégia para mostrar às crianças o procedimento correto em cada situação.
Também é verdade que as punições têm um caráter socializador, pois as eventuais sanções agregam a idéia de que o respeito às normas e leis é fundamental em todo processo civilizatório. As regras dos jogos de tabuleiro podem ser comparadas, em tese, às exigências da vida em sociedade, mesmo que “de mentirinha”. Muitos competidores têm a ilusão de que as penalidades esportivas carreguem um tom de emotividade ou personalismo. Embora aspectos emocionais possam, às vezes, interferir na objetividade da decisão, o ideal seria que as punições fossem isentas de aspectos subjetivos.
Além dessas práticas mais comuns, o árbitro, ou equipe de arbitragem, tem outras funções, como a de ser responsável pelo setor de relações públicas, interna e externamente ao evento, principalmente em competições amadoras; tem ainda o papel de gestor da competição, desde a estrutura física básica, até mesmo a responsabilidade cuidar de aspectos burocráticos e de logística dos eventos; deve se preocupar com as instalações, iluminação, sonoridade, sanitários, acomodações, eventual socorro médico, etc. O árbitro é um “faz-tudo”, mas infelizmente, muitas vezes, é apenas lembrado por suas falhas. Mas essa adversidade não impede que ele continue a se empenhar em mais competições, aprimorando-se e aprendendo por toda a sua vida dedicada à evolução e lazer de muitos e muitos praticantes.
Mas, quem é o árbitro? Geralmente o árbitro é um praticante da modalidade que, percebendo a necessidade de liderança, assume a responsabilidade para si e passa a gerenciar eventos, ou decidir sobre dúvidas quanto às regras. Maldade é dizer que todo árbitro é um competidor frustrado, pois não são poucos os mestres dessas modalidades que sentem a necessidade de organizar, sacrificando até mesmo seu preparo técnico de jogador.
O árbitro é necessário para a supervisão dos eventos e, dependendo de sua conduta, haverá sucesso ou frustração no resultado final da competição. Embora ele agregue incontáveis responsabilidades, nunca será perdoado em seus erros. De todas as ações de um árbitro, a mais importante é a de ser um criador de eventos. Principalmente no Brasil, a evolução de jogos como Damas e Xadrez deve-se à dedicação de árbitros, que, ao sentir a necessidade de criação de competições, lançaram-se ao difícil trabalho de pesquisar, estudar espontaneamente, abrir espaços junto a clubes de outras modalidades esportivas, junto aos órgãos públicos e empresas privadas, além de custear do próprio bolso os primeiros eventos, pelo prazer único de estar propiciando a muitos a possibilidade da prática dessas modalidades.
Uma das grandes colaborações dos árbitros foi a introdução do Sistema Suíço de organização, que permitiu um crescimento rápido e volumoso no número de praticantes. Essa engenharia organizacional permite que as competições sejam realizadas em número pequeno de rodadas, sem que haja eliminação de competidores. Isso estimula uma participação mais freqüente de jogadores nos torneios, uma vez que se torna interessante ao praticante deslocar por distâncias mais significativas para participar de eventos, com a segurança de que não irá retornar a casa, após uma única derrota. Outra colaboração muito importante foi a criação de um Ranking, em que os competidores são classificados pelo nível técnico, por meio de critérios matemáticos e objetivos. Cada competidor pode ter acesso à sua gradação (rating), referência bastante motivadora para o aprimoramento técnico, pela natureza comparativa com os demais praticantes.
Não foram apenas essas as contribuições dadas pelos árbitros. Em outros aspectos organizacionais, é visível a interferência positiva nos eventos por parte da arbitragem. Confirmando isso, observa-se que muitos dos atuais dirigentes foram, em algum momento da vida, árbitros, ou melhor, líderes em potencial que assinaram um compromisso com a cidadania, por meio do esporte.
* (Roberto Telles de Souza é professor, sociólogo e Árbitro Nacional de Jogo de Damas pela CBJD e Internacional de Xadrez pela FIDE).