quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Vantagem na Abertura I

1. INTRODUÇÃO

Uma das principais atividades desenvolvidas no estudo do Xadrez consiste na preparação de aberturas que possibilitem a obtenção de determinadas vantagens, sejam de ordem material, posicional e até mesmo psicológica. E, no caminho inverso, evitar que o adversário consiga tais benefícios.

Com esse objetivo, deve-se sempre procurar linhas de ataque e defesa que coloquem ao oponente as maiores dificuldades possíveis para condução da abertura, de sorte que, em grande numero de casos, as vantagens colhidas produzam resultados favoráveis, facilitando o trabalho no meio jogo e no final da partida. Jogam papel muito importante aqui a preparação psicológica, bem como a compreensão e conceituação detalhada de posições típicas, além de outros fatores como o nível de jogo próprio e do adversário, posição na tabela, estilo, etc.

Sejam quais forem os elementos a serem considerados para a luta por uma vantagem na abertura, o jogador terá sempre de considerar as alternativas, favoráveis ou desfavoráveis, da linha de jogo que irá adotar, para tanto estabelecendo planos alternativos. Se as coisas correrem como previsto, seguir o que foi estudado e conceituado. Porém, se o adversário conseguir meios de contornar as dificuldades a ele antepostas, então aí desempenha um papel importante o assim chamado “Plano B”, conforme será esclarecido em frente.

Essa forma de preparação geralmente conduz a resultados satisfatórios, porque o jogador estará antecipadamente preparado para as contingências em que irá se desenrolar a partida, a não ser, como é óbvio, que seu oponente, utilizando desses mesmos meios, escolha uma abertura ou defesa imprevista. Aí, as coisas se invertem, e o jogador menos preparado é que, o mais das vezes, irá sucumbir em face de suas dificuldades manifestadas para aquele tipo de jogo. Esse modo, por assim dizer, psicológico de enfrentamento, constitui a arma predileta de muitos jogadores de alto nível, e as formas de impor as surpresas que preparam são inúmeras. Ao final desse trabalho será mostrada uma partida que coloca em relevo alguns desses elementos-surpresa.

Inúmeros são os recursos e estratagemas empregados para tentar a vantagem na fase inicial do jogo. Modernamente, com os recursos informáticos e internéticos à disposição do jogador, tais meios tornaram-se ainda mais numerosos e complexos. Isso fez com que, na atualidade, sejam minoria os jogadores de alto nível que permanecem fiéis a um repertório reduzido de aberturas e defesas. Em sua grande maioria, a cada torneio, procuram surpreender com novas investigações sobre as linhas que praticam, e até mesmo sobre as linhas praticadas pelos próprios adversários.

Portanto, o escopo desse trabalho consiste em se fazer uma abordagem sistêmica do tema, a qual muito embora não pretenda aprofundamentos maiores, pelo menos possa transmitir uma noção básica de como estudar aberturas com tais propósitos.

Uma proposta razoável de trabalho nesse campo pode consistir nos cinco seguintes tópicos básicos:

(i) Colocar-se psicológicamente em relação ao adversário que irá enfrentar: se é mestre, se é jogador com rating FIDE elevado, como ele está na tabela do torneio, se é tático ou posicional, etc. Avaliadas essas características, estabelecer que resultado seria razoável obter: empate ou vitória. A esse respeito, deve-se também considerar os benefícios que um desses resultados proporciona ao jogador. Às vezes, pode valer a pena arriscar mais para tentar obter a vitória do que se contentar com meio ponto. Outras vezes não, porque o meio ponto pode significar um avanço no rating ou uma melhor posição no torneio.

(ii) Colocar-se psicologicamente em relação a si mesmo: como se encontra de saúde, se está disposto a lutar intensamente, se é oportuno economizar energias para embates futuros, e outros fatores que podem influenciar, positiva ou negativamente, no seu desempenho durante o embate.

(iii) Avaliar se, pela força, estilo ou pelas circunstâncias do torneio, o adversário vai jogar para ganhar, e assim forçar a partida por todos os meios que estiver ao alcance dele. Nesse caso, escolher uma linha de jogo que efetivamente contrarie tais propósitos, colocando o adversário em um dilema psicológico.

(iv) Estudar linhas de jogo contendo os dois niveis em que uma partida pode se desenvolver: calmo ou agressivo, para poder escolher justamente aquela que mais contrarie os planos do adversário e melhor se adapte às circunstâncias do momento.

(v) É de fundamental importância estar preparado também, técnica e psicologicamente, para jogar em uma situação totalmente imprevista, fora do que foi planejado de antemão. As vicissitudes de uma partida nunca garantem que nossos planos iniciais corram como queríamos. Assim, há que se estabelecer um Plano B, que permita ao jogador desenvolver seu jogo em condições adversas. Isto, porque o adversário também tem seus planos, e eles o mais das vezes sempre serão contrários aos seus. Por isso, o chamado Plano B consiste em se adaptar às circunstâncias da partida, em condições geralmente opostas àquelas que foram planejadas. Em grande número dos casos esse Plano B, se for acionado, consiste em se jogar de modo, total ou parcial, contrário ao inicialmente planejado, sempre adaptando-se aos requerimentos exigidos pela posição que se apresenta, e que na grande maioria dos casos não guarda relação alguma com o que fora escolhido . Durante o estudo das linhas de jogo referido no item (iv) retro, essas alternativas diferenciadas podem ser razoavelmente previstas. Entretanto, deve-se estar preparado para nem isso ocorrer, e a partida se desenrolar de modo totalmente diferente. É por isso que o jogador tem de se preparar, técnica e teóricamente, em termos de um repertório de aberturas, condução de meio jogo e desempenho em finais de forma a mais completa que puder absorver.

Nesse trabalho, o tema sob foco será centrado em exemplos teórico-práticos, mediante duas variantes de abertura para as Brancas e duas linhas de defesa para as Pretas, como delineado a seguir:

a) Índia do Rei, Variante Saemish
b) Ruy Lopez, Defesa Berlinesa
c) Ruy Lopez, Variante Anti-Marshall
d) Defesa dos Dois Cavalos, Variante Fritz

Em todas essas quatro linhas, serão colocados sob foco alguns recursos, técnicos e psicológicos, destinados a alavancar as possibilidades inerentes a cada tipo de abertura ou defesa escolhido, com exploração de temas como atraso no desenvolvimento, posições típicas de mate, ataques diretos ao rei mediante sacrifícios de peças ou peões, traslado a um final favorável, e outras.


2. ÍNDIA DO REI – SISTEMA SAEMISH
Esta opção de jogo das brancas contra a índia do Rei está associada a combates violentos, com ataques e contra-ataques em ambos os flancos. Uma idéia bem precisa desse gênero de jogo pode ser encontrada na obra do Henrique Marinho “Maiorias Qualitativas nas Defesas Índias”.
Entretanto, existe uma alternativa para o jogador das brancas entrar em linhas mais calmas, onde, mediante sacrifício de qualidade, obtém iniciativa duradoura, sempre com as melhores chances de obter vantagem, embora em nível mínimo. No caso de se jogar contra um jogador mais forte, isso poderá se constituir em um fator importante contra os planos dele, de jogar para ganhar. É muito provável que irá procurar forçar a posição, e se o jogador estiver bem preparado, com a linha devidamente conceituada, poderá tirar partido dessa circunstância.

Até o sexto lance, as coisas se passam em nível de desenvolvimento normal do sistema:

1.d4 Cf6 2.c4 g6 3.Cc3 Bg7 4.e4 d6 5.f3 0–0 6.Be3 e5 7.dxe5




Neste ponto é que as brancas elegem uma variante pouco praticada no xadrez magistral. Referência a ela pode ser encontrada na partida Naijdorf, M. x Boleslavsky, I., Interzonal de Zurich, 1953, a qual finalizou empatada em 32 lances, daí o desinteresse em desenvolver essa linha.

dxe5 8.Dxd8 Txd8 9.Cd5 Cxd5 10.cxd5 c6 11.Bc4 cxd5 12.Bxd5 Cc6 13.Td1 Cd4

Neste ponto, na partida mencionada Boleslavsky jogou o cauteloso 14.Rf2, e não conseguiu superar o sólido esquema defensivo de Najdorf, que mediante 14...Be6 trocou o Bispo de d5 e manteve-se firme na defesa até obter o meio ponto que desejava.

Entretanto, há muitos anos venho indagando sobre a viabilidade do seguinte lance:

14.Ce2!?

Brancas pretendem imprimir um caráter mais agudo à partida. Para tanto, permitem a troca de seu forte bispo em e3.

14...Cc2+

Aceitando o desafio. Se 14...Be6 15.Bxe6 Cxe6 16.Txd8+ Txd8 17.Cc3, e Brancas conseguem leve e duradoura vantagem, principalmente em função da forte posição que seu cavalo irá ocupar no posto d5.

Uma possível continuação aqui seria:
17...b6 18.Re2 Cf4+ 19.Bxf4 exf4 20.Tc1 Rf8 21.Tc2 Be5 22.Cd5

15.Rf2 Cxe3

Se agora Brancas tomam o cavalo em e3, ficarão em posição comprometida, mediante a boa manobra das pretas com Bf8-c5+. Mas esse não foi o intuito das Brancas quando fizeram o ousado lance 14.Ce2!?. Agora vem um raio em céu claro:

16.Bxf7+!?



Entregando dois bispos por Torre e peão, o que em termos meramente materiais seria uma decisão horrível. Contudo, o plano das brancas vai além disso, com base nos seguintes fatores de ordem dinâmica e posicional.

a)- Pretas encontram-se momentâneamente desagrupadas, e com as peças da ala da Dama ainda por desenvolver.
b)- O cavalo preto deve perder tempos valiosos para retroagir e colaborar na defesa do flanco dama.
c)- As duas torres brancas exercem pressão enorme sobre a posição adversária, controlando duas colunas centrais abertas, com possibilidades concretas de invasão da sétima e oitava filas
d)- O cavalo branco pode ir rapidamente às casas b5 e d5, segundo as circunstâncias, colaborando no ataque.

Por sua vez, as pretas devem desenvolver suas peças o mais rapidamente possível, e fazer valer sua boa vantagem material. Contra isso, devem as Brancas ter em mãos o Plano B, que consiste em fazer valer o poderio das torres e dos elementos acima listados para, pelo menos, ganhar material para levar a um final favorável ou, pelo menos, com chances de empate.

Como pode ser observado, o lado que conseguir levar adiante seus planos com maior consistência terá grandes chances de alcançar a vitória.

Uma continuação possível seria:

16. Rxf7 17.Txd8 Cc4 18.Tc1 Bf6


Até aqui, tudo forçado. Pretas tentam expulsar a torre que invadiu a oitava fila, ao mesmo tempo que procuram realizar as primeiras etapas de seu plano: reagrupamento de peças e desenvolvimento daquelas ainda em suas casas originais.

19.Td3 Cxb2 20.Td2 Ca4 21.Tc7+ Be7 22.Td8 Cb6




Pretas conseguem retroagir o cavalo para auxílio na defesa, Entretanto, Brancas incrementam a pressão, obtendo ganho de material.

23.Th8 Re6
Cedendo material para poder desenvolver suas peças.

24.Txh7 Bd7 25.Txb7
Brancas decidem-se pela troca de uma qualidade por peça e dois peões, mantendo assim viva a luta

25...Bc5+ 26.Rg3 Rd6 27.Tg7 Rc6 28.Tbxd7 Cxd7 29.Txg6+
Com chances para os dois lados. Aquele que estiver melhor preparado poderá fazer pender a balança a seu favor.

(Por: Ernesto Luiz de Assis Pereira elap@terra.com.br - Texto do Ciclo de palestras do Clube de Xadrez de Curitiba http://www.cxc.org.br/ realizada em maio de 2007).

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