4. DEFESA DOS DOIS CAVALOS – FEGATELLO – VARIANTE FRITZ
A PARTIDA ESTRIN – BERLINER, Campeonato Mundial por Correspondência, 1965-1968
O exemplo derradeiro que é apresentado nesse trabalho refere-se a uma partida das mais sanguinolentas que se conhece envolvendo decisão de título. Reflete toda uma abordagem, técnica e psicológica, levada a termo pelo condutor das pretas, para poder obter o ponto inteiro que necessitava frente a um dos mais destacados mestres do xadrez ao vivo e por correspondência. Na ocasião, Yakov Estrin jogando de brancas, levava meio ponto de vantagem sobre Hans Berliner, e este, almejando o título, precisava forçosamente ganhar o ponto inteiro. Diante desse fato, Berliner planejou o enfrentamento de Estrin consigo mesmo, porque este era e é considerado uma das maiores autoridades na Defesa dos Dois Cavalos. Publicou livros sobre essa linha, e praticou-a em torneios, tanto de brancas como de pretas. Assim, ao escolher justamente essa linha de jogo, Berliner pretendeu colocar Estrin em uma situação de relaxamento, onde a autoconfiança em seus conhecimentos e em sua experiência, poderia, como efetivamente ocorreu, leva-lo a uma situação de percepção insuficiente dos fatos. Esta circunstância já soa bastante familiar, tendo ocorrido já muitas outras vezes, como na famosa partida Lasker – Capablanca, São Petersburgo, 1914.
Só que apenas isso não era suficiente. Devidamente aclimatado com a ocorrência de posições familiares de uma linha de jogo de sua predileção e conhecimento, e portanto já em estado de relaxamento, no momento adequado Estrin deveria também ser confrontado com uma situação totalmente inédita, e assim ficar inferiorizado psicologicamente para buscar soluções para problemas enormes que lhe foram impostos pelas novidades teóricas de Berliner. Como já é sabido, frequentemente o jogador não consegue desempenho à altura das dificuldades assim presentes. E isso foi exatamente o que ocorreu.
Nas palavras do comentarista da Play Chess, Dennis Monokroussos, essa partida é uma das mais brilhantes de toda a história do Xadrez. Assim falou ele, em tradução aproximada do inglês:
Nas palavras do comentarista da Play Chess, Dennis Monokroussos, essa partida é uma das mais brilhantes de toda a história do Xadrez. Assim falou ele, em tradução aproximada do inglês:
(Hans Berliner, em seu objetivo de conquista do título mundial de Xadrez postal, produz uma assombrosa novidade teórica contra Yakov Estrin, justamente em terreno onde este é um especialista teórico e prático: a Defesa dos Dois Cavalos. A idéia de Berliner foi profunda e até hoje ainda há controvérsias se é a correta ou não. Estrin sequer foi capaz de resolver todas as complicações durante a partida, em qie pese usufruir de característica folga no controle de tempo de uma partida por correspondência. Tentou levar o desafio para um final empatado via uma longa seqüência forçada, mas aqui também Berliner sempre esteve um passo à frente dele, conquistando o título máximo de sua carreira com um bonito e instrutivo final de torre.)
Estrin, Yakov – Berliner, Hans
Campeonato Mundial por correspondência – 1965-1968.
1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Bc4 Cf6 4.Cg5 d5 5.exd5 b5
Lance conhecido como Variante Ulvestad, praticamente forçando as Brancas a entrarem na Variante Fritz.
Campeonato Mundial por correspondência – 1965-1968.
1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Bc4 Cf6 4.Cg5 d5 5.exd5 b5
Lance conhecido como Variante Ulvestad, praticamente forçando as Brancas a entrarem na Variante Fritz.
6.Bf1
Considerado o melhor.
Se 6.Bxb5 Dxd5 7.Bxc6+
(7.Cc3 Dxg2 8.Df3 Dxf3 9.Cxf3 Bd7 10.0–0 Bd6)
7...Dxc6 8.Df3 e4 9.Db3 Bc5 10.Dxf7+ Rd8 11.0–0 Te8 12.Dxg7 Tg8 13.Dh6 Bb7 14.Td1 Bxf2+ 15.Rf1 Re7 16.Cxh7 Bd4 17.Cxf6 Bxf6 18.De3 Taf8], análises Rybka.
6...Cd4
Por transposição, chega-se assim à Variante Fritz. A ordem dos lances aqui adotada serve para evitar a variante forçada 5...Cd4 6.c3 b5 e agora, em vez de 7.Bf1, pode seguir 7.cxd4 bxc4 8.dxe5 que leva a complicações de outra natureza, parecendo ser mais favoráveis às Brancas.
7.c3 Cxd5 8.Ce4
Nesta primeira posição crítica, este lance constitui uma das quatro alternativas possíveis. As outras são:
a) Troca de cavalos: 8.cxd4 Dxg5 9.Bxb5+ Rd8 10.Df3 Bb7 11.0–0 Tb8 12.d3 Dg6 13.Dg3 exd4 14.Ca3 Bxa3 15.bxa3 Cc3 16.Dxg6 hxg6 17.Bc4 Ce2+ 18.Rh1 Re7 Leonhardt – Englund Stockholm, 1908;
b) Proteção: 8.h4 h6 9.Ce4 Ce6 10.Bxb5+ Bd7 11.Da4 Cdf4 12.d4 Cxg2+ 13.Rf1 Cgf4 análises de Yakov Neishtadt,1960;
c) Sacrifício: 8.Cxf7 Rxf7 9.cxd4 exd4 10.Df3+ Cf6 11.Dxa8 Bc5 12.Bxb5 Te8+ 13.Bxe8+ Dxe8+ 14.Rd1 Bg4+ 15.Df3 Bxf3+ 16.gxf3 Dc6 17.Tf1 Dxf3+ 18.Rc2 d3+ 19.Rb3 Dd5+ 20.Ra4 Dc4+ M.Goihl- C.Petersen,World Under–12 Ch, Duisburg 1992]
8...Dh4!?
Neste ponto, muitos teóricos preferem 8...Ce6 onde, mediante sacrifício de um peão, Pretas permanecem com chances razoáveis de pelo menos igualar o jogo.
9.Cg3 Bg4!?
Continuação preparada por Berliner para esta partida contra Estrin. Envolve sacrifício de peça, com grandes complicações. Até hoje não se sabe ao certo quem irá ficar com a vantagem. Muito já foi analisado, grandes debates já tiveram lugar, mas não há ainda conclusão definitiva. É aí que entra o fator psicológico, o qual muitas vezes faz pender a balança para aquele que ousa enfrentar o adversário em terreno no qual este é um especialista. Fatores como excessiva autoconfiança, relaxamento da atenção, jogo automático, e outros, jogam papel preponderante nas falhas cometidas justamente por aquele que deveria ter excelente desempenho em terreno que é de seu amplo conhecimento.
10.f3 e4!?
Considerado o melhor.
Se 6.Bxb5 Dxd5 7.Bxc6+
(7.Cc3 Dxg2 8.Df3 Dxf3 9.Cxf3 Bd7 10.0–0 Bd6)
7...Dxc6 8.Df3 e4 9.Db3 Bc5 10.Dxf7+ Rd8 11.0–0 Te8 12.Dxg7 Tg8 13.Dh6 Bb7 14.Td1 Bxf2+ 15.Rf1 Re7 16.Cxh7 Bd4 17.Cxf6 Bxf6 18.De3 Taf8], análises Rybka.
6...Cd4
Por transposição, chega-se assim à Variante Fritz. A ordem dos lances aqui adotada serve para evitar a variante forçada 5...Cd4 6.c3 b5 e agora, em vez de 7.Bf1, pode seguir 7.cxd4 bxc4 8.dxe5 que leva a complicações de outra natureza, parecendo ser mais favoráveis às Brancas.
7.c3 Cxd5 8.Ce4
Nesta primeira posição crítica, este lance constitui uma das quatro alternativas possíveis. As outras são:
a) Troca de cavalos: 8.cxd4 Dxg5 9.Bxb5+ Rd8 10.Df3 Bb7 11.0–0 Tb8 12.d3 Dg6 13.Dg3 exd4 14.Ca3 Bxa3 15.bxa3 Cc3 16.Dxg6 hxg6 17.Bc4 Ce2+ 18.Rh1 Re7 Leonhardt – Englund Stockholm, 1908;
b) Proteção: 8.h4 h6 9.Ce4 Ce6 10.Bxb5+ Bd7 11.Da4 Cdf4 12.d4 Cxg2+ 13.Rf1 Cgf4 análises de Yakov Neishtadt,1960;
c) Sacrifício: 8.Cxf7 Rxf7 9.cxd4 exd4 10.Df3+ Cf6 11.Dxa8 Bc5 12.Bxb5 Te8+ 13.Bxe8+ Dxe8+ 14.Rd1 Bg4+ 15.Df3 Bxf3+ 16.gxf3 Dc6 17.Tf1 Dxf3+ 18.Rc2 d3+ 19.Rb3 Dd5+ 20.Ra4 Dc4+ M.Goihl- C.Petersen,World Under–12 Ch, Duisburg 1992]
8...Dh4!?
Neste ponto, muitos teóricos preferem 8...Ce6 onde, mediante sacrifício de um peão, Pretas permanecem com chances razoáveis de pelo menos igualar o jogo.
9.Cg3 Bg4!?
Continuação preparada por Berliner para esta partida contra Estrin. Envolve sacrifício de peça, com grandes complicações. Até hoje não se sabe ao certo quem irá ficar com a vantagem. Muito já foi analisado, grandes debates já tiveram lugar, mas não há ainda conclusão definitiva. É aí que entra o fator psicológico, o qual muitas vezes faz pender a balança para aquele que ousa enfrentar o adversário em terreno no qual este é um especialista. Fatores como excessiva autoconfiança, relaxamento da atenção, jogo automático, e outros, jogam papel preponderante nas falhas cometidas justamente por aquele que deveria ter excelente desempenho em terreno que é de seu amplo conhecimento.
10.f3 e4!?
Ao preço do sacrifício de peça, com intuito de arruinar a estrutura de peões brancos da ala do Rei, ao mesmo tempo em que abre a diagonal h2-b8 para o bispo preto com base de operações em d6.
11.cxd4
Se 11.fg4 Df6+ e pretas seguem no ataque, com chances aproximadamente iguais.
11...Bd6 12.Bxb5+
Alguns analistas afirmam que 12.De2 seria a melhor continuação para as Brancas. Uma possível continuação seria 12...Be6 13.Df2 Cb4 14.Ca3 exf3, com possibilidades mutuas.
12...Rd8 13.0–0
A alternativa neste ponto consiste em 13.Db3 Bxg3+ 14.Rd1 Be6 15.Bc6 exf3 16.Bxd5 (é perdedor 16.Bxa8 fxg2 17Tg1 Dg4+ 18.Rc2 De4+) 16...fxg2 17.Dxg3 Dxg3 18.hxg3 Bxd5, com final complexo, merecedor de profundo estudo.
exf3 14.Txf3
Esta também é uma posição critíca.
Se 14.Db3 fxg2 15.Txf7 Be6 16.Td7+ Bxd7+ 17.Dxd5 com jogo complexo.
11.cxd4
Se 11.fg4 Df6+ e pretas seguem no ataque, com chances aproximadamente iguais.
11...Bd6 12.Bxb5+
Alguns analistas afirmam que 12.De2 seria a melhor continuação para as Brancas. Uma possível continuação seria 12...Be6 13.Df2 Cb4 14.Ca3 exf3, com possibilidades mutuas.
12...Rd8 13.0–0
A alternativa neste ponto consiste em 13.Db3 Bxg3+ 14.Rd1 Be6 15.Bc6 exf3 16.Bxd5 (é perdedor 16.Bxa8 fxg2 17Tg1 Dg4+ 18.Rc2 De4+) 16...fxg2 17.Dxg3 Dxg3 18.hxg3 Bxd5, com final complexo, merecedor de profundo estudo.
exf3 14.Txf3
Esta também é uma posição critíca.
Se 14.Db3 fxg2 15.Txf7 Be6 16.Td7+ Bxd7+ 17.Dxd5 com jogo complexo.
14...Tb8 15.Be2
Este lance, de aparência lógica, trazendo peça para defesa do Rei, é considerado inferior pelos analistas. Mediante seqüência forçada, Berliner mantém as ameaças sobre o monarca branco.
15...Bxf3 16.Bxf3 Dxd4+ 17.Rh1 Bxg3 18.hxg3 Tb6 19.d3 Ce3 20.Bxe3 Dxe3 21.Bg4 h5 22.Bh3 g5 23.Cd2
Este lance, de aparência lógica, trazendo peça para defesa do Rei, é considerado inferior pelos analistas. Mediante seqüência forçada, Berliner mantém as ameaças sobre o monarca branco.
15...Bxf3 16.Bxf3 Dxd4+ 17.Rh1 Bxg3 18.hxg3 Tb6 19.d3 Ce3 20.Bxe3 Dxe3 21.Bg4 h5 22.Bh3 g5 23.Cd2
Estrin tinha esperança nesse lance, ameaçando ganho de qualidade e trazendo mais uma peça para a defesa
23...g4! 24.Cc4 !Dxg3 25.Cxb6 gxh3!
Forçando troca de Damas e entrando em final superior
26.Df3 hxg2+ 27.Dxg2 Dxg2+ 28.Rxg2 cxb6
É de se destacar a precisão dos lances das Pretas. Aqui, tomam o Cavalo com o peão c para manter seus peões o mais distante possível do monarca branco.
29.Tf1 Re7 30.Te1+ Rd6!
Aproximando o Rei do centro, de onde irá comandar a ofensiva final 31.Tf1 Tc8!
29.Tf1 Re7 30.Te1+ Rd6!
Aproximando o Rei do centro, de onde irá comandar a ofensiva final 31.Tf1 Tc8!
Sacrifício de peão em final de torre. Nesse caso, Pretas conjugam a ameaça de invasão da segunda fila e ataque aos peões brancos da ala da Dama com a possibilidade de troca das torres, e ainda com ameaça de marcha do Rei Preto por sobre a posição adversária desguarnecida. Destaca-se a posição distante do peão h, que faz com que o monarca branco fique atado à possibilidade de seu avanço.
32.Txf7 Tc7! 33.Tf2 Rd5
Ao ter que defender seus peões da ala Dama, Estrin vê o monarca preto avançar pelo centro.
34.a4 Rd4 35.a5 Rxd3 36.Tf3+ Rc2 37.b4 b5 38.a6 Tc4 39.Tf7 Txb4 40.Tb7
Também perde na tomada do peão a: 40.Txa7 Ta4 41 Tb7 b4 42 a7 b3 e o peão b marcha para a coroação, com o Rei negro encontrado abrigo à frente de sua Torre.
Tg4+ 41.Rf3 b4 42.Txa7 b3 0–1
32.Txf7 Tc7! 33.Tf2 Rd5
Ao ter que defender seus peões da ala Dama, Estrin vê o monarca preto avançar pelo centro.
34.a4 Rd4 35.a5 Rxd3 36.Tf3+ Rc2 37.b4 b5 38.a6 Tc4 39.Tf7 Txb4 40.Tb7
Também perde na tomada do peão a: 40.Txa7 Ta4 41 Tb7 b4 42 a7 b3 e o peão b marcha para a coroação, com o Rei negro encontrado abrigo à frente de sua Torre.
Tg4+ 41.Rf3 b4 42.Txa7 b3 0–1
Essa é uma partida para não ser esquecida: possui teoria de abertura, excelente técnica de finais, e complicações à altura dos melhores táticos, servindo como exemplo perfeito e acabado do tipo de preparação para aquisição de vantagem na abertura, seja ela de ordem material, posicional e até mesmo psicológica, que constitui o tema central desse trabalho.
(Por: Ernesto Luiz de Assis Pereira elap@terra.com.br - Texto do Ciclo de palestras do Clube de Xadrez de Curitiba http://www.cxc.org.br/ realizada em maio de 2007).
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