sábado, 11 de abril de 2009

Arbitragem II - Liderança

O xadrez como esporte tem algumas particularidades. Acho que a mais interessante é a capacidade de não exigirmos um campeão isolado nas competições.

Podemos utilizar os sistemas de eliminação simples, como muitos dos esportes utilizam principalmente o tênis e o basquete. Mas o que mais utilizamos é o sistema suíço, que permite reunir um grande número de jogadores.
Este tipo de competição inicia com um número de jogadores e termina se possível, com o mesmo número, se nenhum deles abandonar o evento.
Por causa do número de jogadores inscritos, poderemos ter mais de um jogador com o mesmo número de pontos e até mais de um empatado com a pontuação total.

Lidamos com um público muito grande nas competições, possuidor de uma idade variada entre oito a mais de sessenta anos. Por muitas vezes participando da mesma competição e separados, na premiação por categorias.

Os árbitros de xadrez não são diferentes dos árbitros de outros esportes. Temos de ter uma preparação técnica muito grande, para estarmos atualizados com as últimas modificações das regras do jogo, suas interpretações e como aplica-las.

Minha preocupação ao apresentar este texto não é o tratamento entre árbitros e organizadores ou com o público, mas sim o relacionamento durante a competição entre o Árbitro Chefe ou Geral com a sua equipe de Árbitros. Tenham eles as categorias de Árbitros Internacionais, Regionais, Adjuntos ou sem nenhuma titulação.
Esta relação interfere diretamente no bom andamento de qualquer competição.

Durante os cursos de arbitragem, apresento a seguinte pergunta aos participantes: o que é mais difícil de conseguir realizar, saber mandar ou saber obedecer?

Vou contar o que me aconteceu muito tempo atrás em uma competição por equipes no interior do Paraná. Claro que não citarei a cidade e nem qual foi o evento para que o nome das pessoas envolvidas não seja localizado. Muitas delas ainda são minhas amigas.
Mais ou menos vinte anos atrás fui coordenador desta competição. Na época não tínhamos muitos árbitros, nem na quantidade nem na qualidade que temos hoje.
Por este motivo, nunca conseguia formar uma equipe forte. Fica claro que na época não tínhamos cursos de arbitragem e encarávamos a competição sempre com um pouco de preocupação.
Estávamos em uma das rodadas e não muito longe do local do nosso jogo, a competição de tênis que podíamos assistir de uma das janelas de nossa sala. Eu verificava o tempo, percorria o salão e retornava, se possível, para olhar o tênis.
Em determinado momento, escuto o barulho de alguns relógios a serem acionados com mais velocidade, sinal de que o tempo já estava terminando em algumas partidas. Quando olhei para o salão tive uma surpresa muito grande!
Não tinha nenhum dos quatro árbitros na sala!

A rodada, por sorte acabou bem sem muitos problemas. Reuni a equipe e ao indagar aonde cada um deles tinha ido durante a rodada. Responderam, um estava fumando, o outro foi na farmácia. Outro foi na lanchonete e o mais surpreendente, o último estava na sauna.

Tive que passar um sabão na equipe para que ficasse claro que o fato era lamentável e não poderia voltar a ocorrer.

Como não tinha como convocar uma equipe de conhecimento técnico aceitável na época, sempre acabava por convidar alguns amigos ou pessoas que já tinham participado de outras competições. Não era o melhor, mas como amigos faziam o que eu pedia, apesar de que tinha de ficar controlando toda a equipe para não acontecer nenhum erro técnico grave.
Isto sempre acontecia e me deixava desgastado após cada competição. Depois desta última competição comecei a convocar sempre uma equipe forte, e mais preparada possível, ficando livre apenas para coordenar os eventos.

Antes do início do evento realizar, se possível uma reunião com a equipe de árbitros para repassar diretrizes para a competição.

A primeira “linha de defesa” durante a competição será sempre o “arbitro de campo”. Depois os adjuntos e por ultimo o arbitro chefe.

Se possível, o arbitro chefe deve conhecer bem a equipe de arbitragem com quem trabalha.
Não só saber a capacidade técnica de cada um, mas principalmente o seu comportamento que normalmente nos diferencia um dos outros como pessoas e em nossa profissão.

Foram feitos estudos que acabaram constatando que um número de pessoas trabalhando juntos, durante um determinado período, acaba gerando um desgaste no relacionamento diário, causando atritos e discussões.

O arbitro chefe deve ter a sensibilidade de poder separar ou disponibilizar cada árbitro em um determinado local ou categoria, aonde ele possa desenvolver o seu conhecimento e capacidade da melhor maneira possível.
Por exemplo. Se for um arbitro muito técnico que não tem muita paciência, coloca-lo em uma categoria de maior idade ou adulta. Aqueles que tenham mais paciência também com bom conhecimento técnico coloca-lo com idades menores.
Se forem em duplas, procurar distribuir aqueles que tenham já uma boa experiência em outro evento.

A mesa da arbitragem é o coração do evento. Ela sempre tem de funcionar bem controlando tudo. Deveremos colocar de preferência dois bons árbitros para o controle da mesa, mas se não for possível, pelo menos um deles deve ter muito conhecimento de todos os processos envolvidos na competição.
Os árbitros iniciam na mesa, depois de um tempo evoluem indo para o “campo” salão das partidas. Esta reciclagem é sempre necessária para que os árbitros evoluam em conhecimento e categoria. A presença feminina no quadro de arbitragem é sempre necessária.

Sempre digo que a equipe de arbitragem em um evento tem um propósito. Desenvolver a competição da melhor maneira possível. É como um “navio saindo do porto”. Tem uma direção e um destino que deve ser seguido até o final. Sem a equipe, o arbitro chefe poderá até conseguir realizar a competição, mas com dificuldades.

O arbitro chefe é o “comandante do navio”. Deve, com sua experiência antever e resolver os problemas que acabarem aparecendo, gerenciando com muito cuidado as diferenças que a equipe de árbitros tenha uns com os outros. Diferenças estas que podem ser de personalidade ou de algum problema que tenha acontecido entre eles em alguma competição anterior.
Se um dos árbitros tiver problemas ou se acontecer algum problema na competição, acabará por afetar toda a equipe. E isto não é bom. Se o “navio afundar”, todos vamos ficar molhados, independente da titulação de cada árbitro.

Como arbitro responsável pelo evento temos de saber qual o melhor momento de chamar à responsabilidade ou dar um puxão de orelha em algum dos árbitros de nossa equipe.
A melhor maneira:
a) Nunca em público, e se for possível em local reservado aonde os outros árbitros não possam escutar.
b) Devemos fazê-lo de maneira que o arbitro em questão possa entender o que aconteceu e porque aconteceu podendo evoluir com o fato.
c) Tratar com respeito e consideração os árbitros, sobretudo nos momentos mais difíceis de modo a evitar atos que impliquem em humilhação.
d) Não cometer atos que impliquem em abuso de autoridade.
e) Em último caso, e se isto beneficiar a equipe de arbitragem poderemos reunir todos e conversar sobre o acontecido, definindo padrões de comportamento para casos futuros.

Não podemos ser sempre muito rígidos, mas também não podemos deixar o “navio sem controle”. Temos que ter autoridade e experiência no momento certo. Para aqueles árbitros mais conhecidos e com mais idade será sempre mais fácil por causa de seu histórico.
A maioria dos jogadores e organizadores já os conhecem de outros eventos e sabem como se comportam. Se após o evento os organizadores estiverem satisfeitos com o desenrolar da competição, teremos cumprido o nosso papel e possivelmente seremos convidados novamente no ano seguinte.
Os mais novos deverão galgar os passos básicos obtendo conhecimento e o seu espaço.

Respondendo à pergunta. O mais difícil é mandar. Todos irão aprender da maneira mais difícil, arbitrando.

E não esqueçam...

“Não faças a outros o que não queres que te façam”

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